quinta-feira, 29 de abril de 2010

Escore de Risco: Uma Ferramenta Negligenciada


Publicado esta semana no Archives of Internal Medicine um artigo que avalia a freqüência de utilização de escores de risco na prática clínica de médicos alemães. O artigo mostrou que na maioria das vezes os médicos preferem utilizar as informações clínicas da maneira intuitiva, ao invés de utilizar escores. Alguns motivos são relatados, como a ignorância da existência de um escore, ou a crença de que escore não avaliam bem o risco individual.
Os escores de risco são modelos multivariados desenvolvidos e validados em estudos de coorte, permitindo que marcadores sejam computados conjuntamente, considerando o valor prognóstico ponderado de cada um deles. Há evidências de que os escores de risco possuem acurácia prognóstica e reprodutibilidade superior à impressão clínica de médicos experientes. E é fácil entender a razão: é praticamente impossível computar mentalmente todas as variáveis prognósticas. Por este motivo, os escores representam a forma mais adequada para estimativa de risco.

Contudo, existem algumas dificuldades para a disseminação prática de escores. Primeiramente, o benefício da utilização de escores em geral é pouco reconhecido pelos médicos. É prevalente a crença de que a experiência pessoal e a avaliação intuitiva do risco são insubstituíveis, ou seja, “bons médicos não necessitam de escores de risco”. No entanto, a impressão clínica é sujeita a erros, tais como experiência enviesada, memória prioritária para casos de evolução muito boa ou muito ruim, tempo limitado para consideração mental de todas as covariáveis e suas interações. Por estes motivos, os escores possuem melhor capacidade preditora do que a impressão clínica.
Além disso, o simples uso da impressão clínica muitas vezes predispõe ao paradoxo risco-tratamento, onde pacientes de alto risco são tratados menos agressivamente do que pacientes de baixo risco. Isso porque ao utilizar a somente a impressão clínica ficamos mais sujeitos a erros cognitivos relacionados a conceitos mentais predeterminados. Por isso que nos Estados Unidos minorias (negros, mulheres, hispânicos) são tratadas de forma menos adequada do que os indivíduos que representam o cidadão típico de uma determinada região. Não é proposital, mas inconscientemente o médico tente a subestimar o risco de determinados grupos de pacientes.

Apesar de reconhecidos científicamente como a melhor forma de avaliar prognóstico, até mesmo os guidelines científicos falham na ênfase dada aos escores. Por exemplo, na recente Diretriz Brasileira sobre Angina Instável e Infarto Agudo do Miocárdio sem Supradesnível do Segmento ST apenas o Escore TIMI é mencionado rapidamente, enquanto o melhor escore, o GRACE, ficou esquecido. No Guidelines dos American College of Cardiology e American Heart Association os dois escores são abordados, porém não há discussão em relação à acurácia destes.

Fico impressionado como há escores disponíveis para quase todas as situações clínicas. Hoje mesmo Dr. Júlio Braga comentava pertinentemente a inexistência de um escore que avaliasse o risco de sangramento com o uso crônico de anti-agregantes plaquetários. Coincidentemente me deparei esta noite com um artigo recentemente publicado no European Heart Journal, validando este escore. Ele estava certo, não tinha mesmo este escore, até ontem. De qualquer forma, precisamos sempre avaliar criticamente a qualidade do escore. Isso será motivo de outra postagem.
Ao utilizar escores, podemos realizar árvores de decisões clínicas para resolver certos dilemas. Por exemplo, quando estamos na dúvida se vamos anticoagular um paciente com fibrilação atrial, podemos utilizamos o Escore CHADS2 para estimar o risco de AVC embólico e comparamos com o risco de sangramento grave decorrente da anticoagulação através do escore de Shireman et al.
Recentemente foi publicado o CRUSADE, escore de sangramento em síndromes coronarianas agudas, que deve ser confrontado como escore GRACE, para decisão de tratamento antiisquêmicos que predispõem a graves fenômenos hemorrágicos.
Isso não significa deixar a experiência clínica de lado, até mesmo porque para acessar as informações dos escores, para saber se o paciente se adequa ao uso de um escore específico, precisamos de experiência clínica também. Mas o erro é considerar a experiência clínica hierarquicamente mais importante do que a informação obtida pelo escore.

Desta forma, precisamos estreitar a lacuna comumente encontrada entre a existência e a aplicação das evidências. Os escores são ferramentas valiosas que devem ser utilizadas a fim de melhorar nossa capacidade de avaliar prognóstico. Medicina Baseada em Evidências não é apenas ler criticamente trabalhos científicos, é também transferir o conhecimento científico para a prática clínica. Do ponto de visto prognóstico, os escores representam a melhor forma de fazer isso.

7 comentários:

  1. A grande questão é o hiato que voce cita entre a evidencia científica que frequentemente colocamos ''no mundo da fantasia'' e a que deveria ser incorporada no ''mundo real''. A maioria de nós ainda precisa amadurecer a visão científica crítica utilizando-a no dia-a-dia.

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  2. Olá Luís, bom dia.
    Parabéns pelo site! Moro em Brasília e Cláudio Motta indicou seu site. Há algum livro que você recomende para me aprofundar no tema medicina baseada em evidências? Estou na SOCESP e terei oportunidade de adquirir aqui.
    Grato,
    Sidney Cunha.

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  3. Querido Luis, diga ao Dr. Julio que AO INVÉS DE FICAR RECLAMANDO DA FALTA DE ESCORES (rsrsrsrs) (o que se mostrou improcedente após seu encontro no EHJ), CONVENÇA AOS NOSSOS COLEGAS DA UTI-C A USAR PELO MENOS O TIMI.

    Abração
    Att.

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  4. Prezado Sydney,

    recomendo o livro Medicina Baseada em Evidências de David Sackett, da McMaster.

    Um abraço,

    Luis.

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  5. Não há dúvidas que a utilização de escores de risco é melhor para prever eventos que a estimativa clínica. Dados similares a este já haviam sido publicados (p.ex. Risk scores for risk stratification in acute coronary syndromes: useful but simpler is not necessarily better. European Heart Journal 2007; 28:1072–1078). Entretanto, e para esclarecer os comentários que fiz com Luis Claudio: eu disse nós não temos escores FACILMENTE disponíveis. Afinal por que os médicos usam rapidamente escores como Killip no IAM a classificação de Angina Instável de Braunwald, as Classes Funcionais de IC, etc. Eu creio que porque são FACILMENTE aplicáveis. Em uma UCO que trabalhei com Luis Cláudio tínhamos o TIMI Risk Score automaticamente preenchido pelo programa de computador após o médico preencher a história clínica. Porem o programa e este recurso, foram substituídos por um “Prontuário Informatizado”, que não tinha o mesmo recurso. Para aplicarmos o TIMI que é o mais simples, não necessariamente o melhor, em uma UTI realmente é preciso “convencer”os plantonistas. E para aplicarmos o GRACE ou o PURSUIT? Creio que os sistemas de informática médica poderiam facilitar esta aplicação se não fossem ferramentas voltadas basicamente para as áreas financeiras. E para facilitar a aplicabilidade, estes escores poderiam ser disponibilizados pelos autores dos trabalhos como programas de computador para baixarmos para computadors, smartphones, etc.
    Agora outra questão: a melhor estimativa de prognóstico vai ajudar a cuidar melhor de meus pacientes? A informação geral de que os pacientes mais graves são os que mais se beneficiam de estratégias invasivas nem sempre se aplica. P. ex. Influence of Renal Function on the Effects of Early Revascularization in Non–ST-Elevation Myocardial Infarction (Ex. Circulation. 2009; 120:851-858). Creio que ainda falta a Evidência de que a aplicação dos melhores escores levem a melhores desfechos. Creio que, embora a estimativa de risco seja melhor com “Escores” isto não necessariamente descarta a importância do julgamento clinico que em um excelente trabalho do brasileiro Whady Hueb et col. (Clinical Judgment and Treatment Options in Stable Multivessel Coronary Artery Disease J Am Coll Cardiol 2006;48: 948–53) foi eficaz em cuidar melhor dos pacientes.
    Resumindo, escores de risco são melhores para prever desfechos, mas ainda são difíceis de achar, de aplicar e há dúvidas se são melhores do que o julgamento clinico para definir condutas e beneficiar nossos pacientes. Mas tentarei “convencer” os plantonistas a usar o TIMI Risk...

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  6. Dr. Luis,
    Existe algum escore validado que possa ser utilizado na avaliação de complexidade clinica de pacientes portadores de patologias crônicas ( sem levar em consideração uma patologia especifica)?
    Vivian

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  7. Não conheço, mas acho difícil um único modelo comtemplas várias doenças crônicas ao mesmo tempo.

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