quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Retrospectiva Médica 2009

O pânico epidemiológico do H1N1: parcialmente justificável.

O pânico da menigite em Salvador: exagerado.

A evidência que causou pânico: mamografia não reduz mortalidade em mulheres com menos de 50 anos e aumenta número de biópsias desnecessárias.

Estudo BARI-2D amplia o paradigma do Courage para diabéticos.

A morte de Michael Jackson: evite Propofol em casa.

FELIZ 2010

Cuidado com a Radiação

Mais um trabalho chama atenção da necessidade de ponderar o benefício da informação trazida por um exame de tomografia computadorizada versus o risco de câncer atribuível à radiação recebida pelo paciente. No último número dos Archives of Internal Medicine (2009;169(22):2078-2086) está publicado o trabalho Radiation Dose Associated With Common Computed Tomography Examinations and the Associated Lifetime Attributable Risk of Cancer. Os autores descrevem o nível de radiação de diferentes tipos de tomografia e avaliam o risco a partir do Biological Effects of Ionizing Radiation (BEIR) VII Report. Este documento estima o risco de câncer atribuível à radiação ionizante, tendo como base a experiência de sobreviventes de acidentes em usinas nucleares e bombas atômicas.
Vamos tomar como exemplo a angiotomografia de coronária. Em 34 exames avaliados no presente estudo, a mediana da dose de radiação foi 22 mSv. Desta forma, estima-se que ocorrerá 1 caso de câncer em cada 270 exames realizados em mulheres de 40 anos e 1 caso para cada 595 homens de 40 anos. Devemos salientar que o estudo não descreve o tipo de tomógrafo utilizado e sabemos que com a tecnologia de 64 fileiras de detectores a radiação pode ser um pouco mais baixa que isso, em torno de 15 mSv. Mesmo assim, isso não é desprezível, precisamos ter critério.
Por fim, devemos lembrar que o risco não se limita ao raio x. Exames de cintilografia também oferecem radiação. Por exemplo, há quase quatro décadas os cardiologistas vêem banalizando a indicação de cintilografia miocárdica, cuja dose de radiação chega a 15 mSv no caso do Tecnécio.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Cuidado com os Dispositivos Cardíacos

Um intrigante artigo publicado hoje no JAMA (2009;302(24):2679-2685) avaliou a qualidade das evidências científicas que deram suporte à aprovação pelo FDA de dispositivos cardíacos de alto-risco. Foram analisados 123 estudos que foram utilizados para justificar a aprovação de 78 dispositivos cardíacos no período de 2000 a 2007. Apenas 55% dos estudos tinham grupo controle, 27% eram ensaios clínicos randomizados e 12% se baseavam em desfechos (o restante avaliou desfechos substitutos). Os autores concluíram que a liberação destes dispositivos freqüentemente carece de evidências científicas adequadas. Devemos considerar que nem sempre é possível utilizar um desenho de estudo ideal quando se fala de procedimentos intervencionistas ou cirúrgicos. Mesmo assim, se confirma a sensação de que na prática intervencionista ou cirúrgica o principal paradigma vigente é o mecanístico, em detrimento do epidemiológico.

Terminou a Farsa do Ginkgo Biloba

Em situações de plausibilidade ou gravidade extrema se faz justificável adotar condutas médicas sem evidências científicas de seu benefício. Este é o Paradigma do Para-queda: não precisamos de um ensaio clínico randomizado para saber que o uso deste device reduz a mortalidade de indivíduos que pulam de um avião. Por outro lado, a prática médica está repleta de condutas que não se aplicam ao Paradigma do Para-queda, nem possuem evidência científica de eficácia/segurança. Após alguns anos de lucro da indústria farmacêutica, estas condutas são desbancadas por ensaios clínicos randomizados.
O mais recente exemplo é o Ginkgo Biloba. Nunca entendi porque esta droga ficou tão popular nas prescrições médicas. Segundo informação da CNN, o lucro da indústria farmacêutica com a venda desta substância nos Estados Unidos foi de 98 milhões de dólares em 2008. Hoje foi publicado no JAMA (302(24):2663-2670) o ensaio clínico randomizado Ginkgo Biloba for Preventing Cognitive Decline in Older Adults, onde 3.000 indivíduos > 72 anos (média 79 ± 3 anos) foram randomizados para Ginkgo Biloba ou placebo, não sendo observado nenhum benefício cognitivo em seguimento de 6 anos.
É assim mesmo, a história se repete. Foi assim com terapia de reposição hormonal para prevenir eventos cardiovasculares; Levosimedan em substituição a Dobutamina em pacientes com IC aguda; Rimonabant para perda de peso; e muitos outros exemplos onde a informação científica adequada mostrou que o uso sem evidência científica foi precipitado. Pelo menos, o estudo não mostrou que Ginkgo Biloba é prejudicial. Em breve surgirão as viúvas do Ginkgo Biloba, que inventarão uma sérias de críticas ao estudo do JAMA, na tentativa desesperada de preservar uma parcela dos 98 milhões anuais. Quando será que a comunidade médica vai aprender?

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Highlight 2009

Em retrospectiva do ano 2009, devemos refletir quais estudos tiveram maior impacto na área cardiovascular. Em minha opinião, o principal trabalho de 2009 foi o estudo RE-LY (NEJM 2009;361:1-13), o qual demonstrou que o Dabigatran, um antitrombínico direto por via oral, apresenta eficácia semelhante (110 mg/dia) ou superior (150 mg/dia) quando comparado a Warfarina na prevenção de AVC em pacientes com FA crônica, associado a menor (110 mg/dia) ou igual (150 mg/dia) incidência de sangramento maior. Tudo isso com a vantagem do tratamento não requerer monitoramento laboratorial do efeito anticoagulante. Imagino que nos primeiros anos de comercialização desta droga, os pacientes que mais têm dificuldade de realizar um monitoramento laboratorial adequado do uso de Warfarina (indivíduos de baixo nível sócio-econômico) serão aqueles com maior dificuldade para adquirir a droga. Por outro lado, o estudo serve de prova de conceito sobre uma perspectiva de anticoagulação mais prática, mais segura na dose menor e mais eficaz na dose maior. Ou seja, para pacientes com alto risco de sangramento, daríamos preferência ao esquema mais seguro e de eficácia igual à Warfarina. Para os pacientes com baixo risco de sangramento, daríamos preferência ao esquema de segurança semelhante e de eficácia superior à Warfarina. Tudo isso sem precisar dosar TP. Parece um sonho ...

Dificuldades de Países em Desenvolvimento

Um recente artigo publicado no J Epidemiol Community Health (doi:10.1136/jech.2009.088690) investigou a associação entre país de origem e freqüência de citação de 4724 artigos publicados entre 1998 e 2002 nos British Medical Journal, The Lancet, Journal of the American Medical Association e New England Journal of Medicine. O trabalho demonstrou que artigos provenientes de países pobres possuem chance maior de serem pobremente citados, quando comparados a artigos de países ricos (OR = 1.93; 95% IC 1.28-2.89). Este fato teoricamente leva os editores a darem preferência a artigos do primeiro mundo, pois estes contribuem melhor para o nível de impacto das revistas. Se por um lado isto torna nossa vida mais difícil, por outro lado, podemos considerar que nosso mérito de publicar em revistas internacionais é maior do que o mérito de nossos colegas do primeiro mundo.
Differences in citation rates by country of origin for papers published in top-ranked medical journals: do they reflect inequalities in access to publication?
Abstract
Background: The acceptance of a paper in a top-ranked journal depends on the importance of the study, and should not depend on its country of origin. If the papers’ citation rate is a proxy for their importance, and the threshold for acceptance is unrelated to the country of origin, papers from different countries published in the same journal should have a similar number of citations. Conversely, if the threshold is lowered for some countries, their papers will have a lower mean citation rate.
Methods: We obtained the number of citations and the corresponding author’s country for 4724 papers published between 1998 and 2002 in the British Medical Journal, the Lancet, Journal of the American Medical Association, New England Medical Journal. Countries were grouped according to the World Bank classification and geographic location: low-middle income countries, European high-income countries, non-European high-income countries, UK and USA. We estimated the probability of papers of being poorly cited by country of origin, using domestic papers (British papers published in British journals and US papers published in US journals) as the reference.
Results: Compared with domestic papers, the odds ratio of being poorly cited was 0.67 (95% confidence intervals: 0.55-0.81) for papers from high-income European countries, 0.97 (0.76-1.24) for papers from non-European high-income countries and 1.93 (1.28-2.89) for papers from low-middle income countries.
Conclusions: Papers from different countries published in the same journal have different citation rates. This may reflect difficulties for researchers from some countries to publish their research in leading medical journals.